O pesquisador do Centro de Estudos da Saúde do
Trabalhador e Ecologia Humana (ENSP/Fiocruz) Marcelo Firpo ministrou a aula
Saúde, ambiente e desenvolvimento, no curso de especialização em Vigilância Sanitária ,
nesta segunda-feira (16/4). Abordar o tema não só sob a perspectiva da Saúde
Pública, mas também a sua interface com a saúde dos trabalhadores, os riscos
ocupacionais, a análise das causas, além de incorporar a temática ambiental,
foi a missão do palestrante, com pós-doutorado em Medicina Social
pela Universidade de Frankfurt. "Me sinto cada vez mais contra-hegemônico
dentro da Saúde Coletiva", disse ele. O pesquisador trabalhou com conceitos
de situações de risco, vulnerabilidades, resistências de populações e
movimentos sociais. De início, comparou a definição de saúde segundo a
Organização Mundial de Saúde – "estado completo de bem-estar físico e
mental" (1948) – com a que vigorava no fim do século XX – "a saúde
[...] é vista como um recurso para a vida diária". Outro conceito
mencionado e comparado por Firpo advém da relação com os determinantes sociais,
que são "circunstâncias em que as pessoas nascem, crescem, vivem,
trabalham e envelhecem, incluindo o sistema de saúde". Firpo perguntou:
"do que precisamos para viver/sobreviver?" O meio ambiente pode estar
relacionado com a saúde de forma polissêmica, ou seja, com os vários ambientes,
como casa e trabalho, público e privado, rural e urbano, florestas, rios e
oceanos. "Precisamos do meio ambiente porque nele existem suportes à vida
(ar, alimento, água potável, combustíveis, recursos genéticos, clima, formação
dos solos, compostos bioquímicos, além de benefícios não materiais obtidos dos
ecossistemas, como lazer, valores espirituais e religiosos, estéticos,
educacionais, heranças culturais)."A vigilância trabalha com a categoria
risco, cujo conceito se refere à exposição de seres humanos ao ambiente, o que
pode trazer sofrimento, doenças e morte, sendo que, se a exposição não
ocorresse, os efeitos não seriam produzidos. "Vivemos numa sociedade do
risco, e hoje os riscos são decorrentes da ciência e da tecnologia ligadas à
oferta de produtos e à produção industrial, a exemplo do acidente com o Césio
137 em Goiânia". A outra questão abordada pelo pesquisador foi o
desenvolvimento, sobre o qual ele destacou a contradição processo econômico x
progresso social e humano. Firpo explicou que "a relação entre saúde,
ambiente e desenvolvimento acontece em vários níveis e modelos, coletivos ou
individuais, nos ecossistemas globais (oceanos, blocos econômicos), regionais
(países, bacias hidrográficas), locais (municípios, comunidades), além de em
grupos sociais e famílias". "A crítica que faço aos modelos de
desenvolvimento atuais é a injustiça social produzida por eles", disse o
palestrante. Os riscos são passíveis de serem reconhecidos e controlados e os
transtornos provocados por desastres e casos de doenças tenderiam a ser
superados pelo conhecimento técnico-científico, pela legislação, pela atuação
institucional e profissional. Firpo chamou a atenção para os prejuízos de se
rejeitar uma tecnologia, produto ou processo por considerá-los inseguros, cujos
benefícios, contudo, seriam grandes, e de se aceitar uma tecnologia por ser
segura, mas que o tempo pode revelar extremamente perigosa. O pesquisador
também trouxe para o debate o princípio da precaução, que trata do fato de as
atividades humanas trazerem riscos moralmente inaceitáveis, o que leva a reações
para impedir ou reduzir tais riscos, a exemplo dos transgênicos, explicou
Firpo. "Essa discussão do paradigma entre o preventivo e o precaucionário
está em disputa atualmente, e o acordo da biodiversidade adota a precaução como
princípio, devido à livre-concorrência e à disputa de mercado", comentou.
Quanto à crise socioambiental causada pelas
mudanças que vêm ocorrendo no mundo em termos de densidade populacional, Firpo
considera que a lógica produtiva caracterizada pelo consumo atual,
intensificado pelo mecanismo global, gera sofrimentos e prejuízos que não
entram na cadeia do preço, o que ele chama de "violenta externalidade do
metabolismo social".
Firpo classificou as três vertentes do
ambientalismo: a conservacionista é marcada por uma visão preservacionista e
romântica, desprezando a dimensão humana e social (Greenpeace); o ‘Evangelho da
ecoeficiência‘ prioriza a internalização de custos e práticas gerenciais
ambientais ‘limpas‘ à lógica do desenvolvimento capitalista; e o movimento pela
justiça ambiental (ecologia política ou ambientalismo popular) se coloca como
alternativa crítica às duas outras correntes hegemônicas no interior do
movimento ambientalista. "O grande desafio político é como transformar
lutas em modelos de desenvolvimento". Alguns outros desafios lembrados
pelo pesquisador referem-se aos impactos da produção de energia, ao
agronegócio, ao uso de agrotóxicos, à reforma agrária, à segurança e soberania
alimentares, às ‘zonas de sacrifício‘ criadas com a crise socioambiental, à mercatilização
da vida e da natureza, à redução das emissões por desmatamentos e degradação.
Para ele, no entanto, a questão não está no fato de ver ou não ver, mas se o
que deixamos de ver é fundamental".
Fonte site ENSP www.ensp.fiocruz.br